segunda-feira, 12 de setembro de 2011

US GAAP e IFRS NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO

O rápido avanço do padrão IFRS no mundo, a bem sucedida convergência FASB-IASB e a crescente globalização dos mercados colocam em discussão a escolha do padrão contábil internacional, US GAAP ou IFRS, opção especialmente importante para as empresas do Novo Mercado.

Ao aderir ao Novo Mercado, as empresas comprometem-se a apresentar demonstrações financeiras em padrão internacional, US GAAP ou IFRS, e têm dois anos para implantá-lo. Outras empresas adotam contabilidade internacional para atender à casa matriz, a acionista estratégico, ou por decisão própria, preparando-se para futuros lançamentos, no país ou no exterior, ao mesmo tempo que demonstram sua preocupação com transparência e ganham visibilidade.

Tradicionalmente, “padrão internacional” era sinônimo de US GAAP, os princípios contábeis do maior mercado financeiro, para onde convergiam os lançamentos das empresas globais. A possibilidade de comparar informações financeiras de todo o mundo era um ideal muito desejado, mas de viabilidade remota. Era o objetivo das normas contábeis internacionais, ou IAS, hoje IFRS – International Financial Reporting Standards. Em termos práticos, ou se cumpria o padrão da casa matriz ou do mercado norte-americano.

Em 1991 a SCA promoveu seminário internacional para discutir as posições brasileira, americana e internacional frente à contabilidade sob inflação, com a presença dos profs. Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos, da FEAC/USP, e Mr. David Cairns, então secretário geral do IASC, hoje IASB. Foi a primeira visita ao Brasil de um representante do organismo internacional, na difícil missão de criar e difundir uma linguagem universal para expressar os valores das atividades econômicas. “Impossible dream” qualificava o Financial Times. Beautiful but impossible, dream.

Essa situação mudou completamente. A expectativa por normas realmente internacionais generalizou-se em todo o mundo, inclusive EUA, fruto do movimento de globalização. Neste ano de 2.006 cerca de 100 países estão usando IFRS como padrão exigido ou permitido, número que deve crescer para 150 em cinco anos, entre eles o Canadá e o Japão.

A expectativa por normas internacionais generalizou-se em todo o mundo, inclusive EUA, fruto da globalização dos mercados. Cem países já usam IFRS como padrão exigido ou permitido, esperando-se 150 em cinco anos.

Além da globalização dos mercados, efeito indireto da Lei Sarbanes-Oxley está impulsionando ainda mais a difusão das normas internacionais. Preocupadas com os custos de adequação e com as possíveis conseqüências, muitas empresas de todo o mundo estão realizando lançamentos internacionais em bolsas não americanas, sobretudo européias, que exigem IFRS.

Os trabalhos para a convergência entre US GAAP e IFRS caminham a passos largos, as diferenças sendo eliminadas mais rápido que se poderia imaginar. Nesse sentido, FASB e IASB anunciaram para 2009 a dispensa de reconciliação para companhias não americanas que utilizem IFRS para levantar capitais nos EUA, prevendo diferenças “muito pequenas”, ou nulas em mais cinco anos.

Com EUA e Europa caminhando para a convergência, também os organismos reguladores tratam de evitar conflitos nas decisões regulatórias relacionadas a IFRS ou US GAAP, conforme plano de trabalho conjunto SEC e CESR (Committee of European Securities Regulators), anunciado em agosto.

Os US GAAP estão sofrendo mudanças conceituais, a partir das duas bandeiras prioritárias do FASB: redução da complexidade e migração do modelo baseado em regras para um mais baseado em princípios, valor justo e outros. Ora, estas são as diferenças essenciais entre US GAAP e IFRS.

Para melhor entender a questão da convergência, é importante observar o movimento de revisão do sistema de reporting financeiro norte-americano desde o escândalo da Enron e WorldCom. Como declarou Robert Herz, chairman do FASB, o sistema enfrenta desafios, entre eles a necessidade de reduzir a complexidade e aperfeiçoar a transparência e a utilidade das informações fornecidas aos investidores. Michael Cook, chairman e CEO emérito da Deloitte, foi mais longe: considerou as demonstrações financeiras atuais “quase completamente irrelevantes” para a análise financeira.

Para torná-las mais relevantes e úteis, a atual administração do FASB persegue dois objetivos: primeiro, reduzir a complexidade das normas e, segundo, migrar o modelo tradicional, baseado em regras, para um sistema mais baseado em princípios, que dá aos usuários das informações financeiras um retrato mais claro do estado econômico da companhia. Nesse sentido, procura adotar contabilidade pelo valor justo – fair-value accounting –, ou seja, ativos e passivos marcados a mercado em vez de registrados pelo custo histórico, entre outras providências.

Em sua justificativa, o Board do FASB afirma que a forma está superando a essência, os objetivos das informações, e que a complexidade está escondendo a transparência. São verdadeiras mudanças culturais, profundas, sobre conceitos que estão na base das diferenças entre US GAAP e IFRS. O FASB declarou ainda que, para aproximar-se de um sistema baseado em princípios, pode emprestar idéias do IASB.

Como é natural, tanta mudança provoca muita discussão e contraria interesses, como o dos executivos que se fixam em resultados de curto prazo, entre outros, criticados duramente por Herz. Muda tradições, como a de regulamentar todas as questões, cujos pedidos, inúmeros, o FASB está ignorando, para que empresas e auditores assumam maior responsabilidade.

Enfim, a mudança caminha com profundidade, as dificuldades estão sendo resolvidas.

Em 2010 o sistema financeiro nacional estará alinhado às normas internacionais – IFRS. A CVM pauta suas instruções pelos IFRS.

No Brasil, o Banco Central elabora suas próprias demonstrações pelos IFRS há três anos; pelo Comunicado 14.259, de 10.03.06, determina que a partir do exercício de 2010 as demonstrações das instituições financeiras também sejam alinhadas aos procedimentos do IASB. De grande importância, em agosto foi instalado oficialmente o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, formado pelo Conselho Federal de Contabilidade, Bovespa, Abrasca, Apimec e Fipecafi, com o objetivo de harmonizar normas brasileiras e internacionais.

Os IFRS dão um melhor retrato do estado econômico das companhias e têm aceitação crescente em todo o mundo. Será ainda necessário ir a mercado com US GAAP?

Em síntese, predominou até agora o uso de princípios americanos, devido a programas de ADR’s, participação de investidores estratégicos e falta de alternativa. Esse contexto mudou com a aceitação geral dos IFRS, convergência FASB-IASB e preferência por outras bolsas internacionais. Mais ainda, em breve a adoção de US GAAP deverá exigir base de dados similar a IFRS, em decorrência da convergência dos fundamentos, como fair-value.

Considerando todos os fatos, acreditamos que a questão pode ser colocada com um novo enfoque. Primeiro, com base no mercado: mesmo que IFRS represente o padrão definitivo, aceito em todo o mundo e percebido como mais voltado para o investidor, seria necessário trabalhar com US GAAP por enquanto? Ou adotar ambos (há alguns casos)?

Como utilizar a tecnologia para reduzir custos, já que um ERP “implantado para a transparência” é base tanto para IFRS como para US GAAP?

Segundo, considerando a gestão interna: como utilizar a tecnologia para agilizar o processo e resolver a questão custo, já que um ERP “implantado para a transparência” é base tanto para IFRS como para US GAAP? Este é um ponto sensível porque os processos posteriores aos ERP’s, ou seja, fechamento, impostos, ajuste de princípios, consolidação e reporting ainda se baseiam em planilhas, infelizmente, ferramenta que consome muito tempo e causa dificuldades e demora desnecessárias.

As empresas que têm a possibilidade de escolher, como é o caso do Novo Mercado, estão divididas. Falta um debate mais amplo e, sobretudo, mais atual, para uma avaliação mais completa das opções e de suas conseqüências.

Antonio Coló - Presidente da SCA – Systema Consultores Associados.